06
Ago/13 |
Carta Manifesto - Marcha das Vadias - Barreiras/BA |
Nós, mulheres e homens, marchamos em Barreiras pela segunda vez, porque apenas nos primeiros 06 meses de 2013 foram 241 casos de violência doméstica contra a mulher registrados na Delegacia de Atendimento a Mulher de Barreiras e porque sabemos que várias mulheres e meninas abusadas e violentadas não denunciam para entrar nas assustadoras estatísticas; marchamos para que o poder público possibilite à mulher, condições de vida digna, com políticas públicas que cheguem, principalmente às mulheres em vulnerabilidade social; marchamos para que a DEAM de Barreiras funcione plenamente; marchamos para que a sociedade barreirense respeite a mulher como ser humano que pode e deve controlar o seu corpo e a sua vida.
Marchamos porque a mídia barreirense divulgou em julho deste ano, casos de violência que estão se banalizando: uma adolescente de 13 anos estuprada, uma mulher esfaqueada pelo ex-companheiro, uma mulher espancada pelo marido com uma barra de ferro, duas mulheres estupradas dentro de casa. E apenas um agressor preso! Marchamos porque não aceitamos nenhum tipo de violência contra a mulher.
Marchamos porque em 2012, duas adolescentes foram estupradas por integrantes da Banda New Hit na Bahia, e em 2013 uma adolescente de 14 anos foi abusada sexualmente por um cantor famoso em Barreiras e, em ambos os casos, a culpa caiu sobre as vitimas. A questão é que estupros acontecem em países em que mulheres vestem burcas. Estupros acontecem no exército e na marinha. Com mulheres que acabaram de sair da igreja. Marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, e nossa sociedade é cumplice quando culpa as vitimas em um caso de estupro. Vivemos em uma cultura do estupro e muito se nega sua existência.
É comum ver o discurso de que mulheres precisam “se dar o respeito”, “vestir-se decentemente” ou “não se portar como uma vadia” para evitar o crime. Essa é a prática de culpabilização da vítima, um dos recursos mais usados e bem aceitos na cultura do estupro. Marchamos porque apesar de uma mulher ocupar a presidência, o Brasil ocupa, vergonhosamente, o 7 º lugar em homicídio de mulheres e porque, a cada 15 segundos lendo este Manifesto, uma mulher é espancada por um homem no Brasil; marchamos porque a Bahia ocupa lastimavelmente a 6ª posição do país como o estado em que mais mulheres são mortas. E essas mulheres também estão em Barreiras!
Marchamos para que o Poder Público Municipal se importe com a segurança e a vida das mulheres, já que as ruas não tem iluminação pública e não há fiscalização dos terrenos baldios e obras inacabadas, representando um perigo às mulheres em nossa sociedade machista. Exigimos Políticas Públicas efetivas para as mulheres! Marchamos para que a DEAM de Barreiras tenha prédio próprio além de uma sala minúscula com moveis doados; tenha estrutura física e humana adequadas, pois atualmente são APENAS 04 investigadores, 01 delegada, 02 escrivães e 01 viatura que é emprestada uma vez por semana para o município de Catolândia; marchamos para que haja formação dos Policiais para atender as mulheres que sofrem violência e a Delegacia funcione 24 horas; marchamos porque em Barreiras as intimações chegam aos agressores e vitimas com até três meses após as denuncias e NENHUMA Medida Protetiva de Urgência é concedida pelo Juiz Penal.
Marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pelas violências que sofremos, quando são os homens que deveriam ser ensinados a respeitar.
E diante de tantas violências, somos ainda chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, chamadas de vadias porque transamos antes do casamento, chamadas de vadias por dizer “não” a um homem, chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, chamadas de vadias por protestar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.
O uso da palavra “vadia” é uma crítica ao rótulo que nos é imposto quando enfrentamos os padrões estabelecidos para o comportamento feminino. Marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. Então, dizemo-nos “vadias” porque queremos ser mulheres livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos.
Marchamos porque nossa sociedade racista prega que as mulheres negras são “putas” por serem negras, tratando-as como mulas, mulatas e objetos de diversão, desprovidas de dor e pudor.
Marchamos porque as mulheres negras vivenciam desprezo e desafeto reduzindo as possibilidades afetivas; “Vadia” enquanto estigma recai especialmente sobre as negras, por isto marchamos em repúdio a esta classificação preconceituosa e discriminatória de nosso pertencimento étnico-racial.
Marchamos porque 1 a cada 4 mulheres relatam que sofreram violência ao dar a luz no Brasil. Marchamos contra a violência obstétrica, ou seja, qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. As mais comuns, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência.
Marcharemos para que não restem dúvidas de que nossos corpos são nossos, não de qualquer homem que nos assedia na rua, nem dos nossos pais, maridos ou namorados, nem dos pastores ou padres, nem dos Congressistas, nem do Estado, nem dos médicos ou dos consumidores. Nossos corpos são nossos e vamos usá-los, vesti-los e caminhá-los por onde e como bem entendermos.
O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres. E se ser livre é ser vadia, SOMOS TODAS VADIAS!
Barreiras-Ba, agosto de 2012
MARCHA BARREIRENSE FEMINISTA