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Abr/24 |
Fugindo da solidão, idosos escolhem morar em casas de repouso mesmo tendo filhos ou dinheiro |
Inês no jardim do Lar Franciscano Santa Isabel, onde mora há dois anos
Lugares que reúnem música ao vivo, desfiles, festas e promoção de passeios e viagens. De quantas tentativas você precisaria para acertar que tratam-se de lares de idosos? Eles podem ser chamados de abrigo, asilo, instituição de longa permanência, casa de repouso e ainda hotel sênior. Qualquer que seja o nome, ainda carregam o peso de um preconceito único, sendo lidos socialmente como locais de monotonia, tristeza e abandono.
Mas enquanto há os que sentem pavor só de pensar em um dia serem empurrados para um deles, outros desejaram a mudança de lar, muitas vezes tendo que enfrentar a discordância da família, em busca de qualidade de vida.
O preconceito se desfaz ao encontrar opções de quartos individuais, com banheiro, e, por vezes, ambientes luxuosos e com área verde. Em uma das instituições visitadas pela reportagem, havia até mesmo um salão de beleza.
A mordomia vale, geralmente, para os locais pagos, já que também há serviços de acolhimento oferecidos pelo poder público, chamados de asilos ou abrigos. O CORREIO encontrou preços que variam entre R$ 3.500 e R$ 8.500.
Com o envelhecimento da população e a chegada aos 60 cada vez mais saudável, o mercado desse tipo de instituição vem crescendo. A chamada “economia da longevidade” vem chamando a atenção na área.
“Eu reuni as minhas três filhas e contei a minha decisão. Elas ficaram apavoradas, acharam um absurdo e não queriam deixar. Eu tive que bater o martelo e ser firme”, conta Inês Marques de Britto, de 85 anos. Ela morava sozinha em um apartamento após ficar viúva e se mudou para o Lar Franciscano Santa Isabel, no bairro da Saúde, em Salvador, há dois anos.
Inês tem condições físicas, mentais e financeiras de morar só, mas apenas não estava feliz com a vida que levava. “As minhas filhas me chamaram para morar com elas, mas eu não quis e não quero. Elas têm os maridos e os filhos, e eu queria ter a minha vida e a minha independência, ao mesmo tempo que não queria viver a solidão do meu apartamento”, explica.
A partir da costume brasileiro de agregar a família, diferente do padrão de países europeus e também dos EUA, o geriatra Felipe Lopo ressalta a importância de reconhecer e valorizar a autonomia e individualidade dos idosos:
“É uma questão de respeito à história de vida e à experiência. Um idoso autônomo continua sendo motor de sua própria vida. E também é uma questão de saúde já que a autonomia vai estar ligada à autoestima e saúde mental como um todo”.
O princípio inclui não determinar as condições de saúde apenas a partir da idade. Dessa forma, não há tempo certo ou errado para a decisão do idoso, seja de morar em uma instituição de longa permanência ou de passar a receber cuidados especiais. Cada um no seu ritmo.
Inês vendeu quase tudo o que tinha no apartamento e levou somente o que cabia no seu novo pequeno quarto
Com o tempo, as filhas de Inês aceitaram a decisão. “Elas vieram conhecer e gostaram, me ajudaram a escolher o quarto e a planejar como eu iria arrumá-lo”, diz Inês. Aos finais de semana, Inês costuma sair com as filhas, assim como receber visitas, mas é preciso marcar horário.
“Durante as tardes, eu frequento a Faculdade da Maturidade, onde tenho aulas de dança de salão, zumba, cidadania, etc. E aqui no Lar também acontecem diversas atividades; toda hora tem um aniversário, festival de tortas, desfile. Aí sempre que uma das minhas filhas quer vir me visitar, eu tenho que consultar a minha agenda”, conta, aos risos.
Como num ritual de passagem para uma outra fase, ela vendeu o apartamento, doou os móveis que não caberiam no seu quarto no Lar e também queimou as lembranças que guardava do ex-marido já falecido. Levou consigo o que achou que faria sentido na nova vida, incluindo sua coleção de cerca de 300 xícaras, a qual expõe em seu quarto com carinho e cuidado.
Na suíte de Inês, há armário, cama, poltrona, geladeira, microondas e televisão
Sua certeza se dá apesar de opiniões alheias. Além de precisar convencer as filhas a aceitarem sua decisão no início, também tem que lidar até hoje com o julgamento de terceiros.
“Quando eu contei para uma amiga minha, por telefone, eu estava toda empolgada e ela achou um absurdo, disse que eu estava louca. Eu fingi que não me importei e, quando terminou a ligação, chorei muito”, finaliza Inês, pesarosa.
O geriatra Felipe Lopo destaca que pensamentos como o da amiga de Inês se justificam pela associação equivocada de instituições de longa permanência a idosos ‘abandonados’ por seus familiares, seja por limitações financeiras, limitações de disponibilidade de cuidado ou até mesmo de desinteresse.
Mas, nos casos de uma decisão que parte do idoso ou que é tomada em conjunto, os benefícios são diversos.
“A ida para uma casa de repouso pode gerar integração social com os demais idosos, uma sensação de pertencimento e identificação, além de um cuidado especializado e visão multidisciplinar. Isso pode acabar revelando uma nova dinâmica familiar, muitas vezes mais pacífica ou amorosa do que se tinha antes”, completa Lopo.
Também morador do Lar Franciscano Santa Isabel, Nival Machado, de 85 anos, não precisou convencer as duas filhas. Na verdade, há nove anos, apenas se mudou sem falar nada. Foi a saída que encontrou para fazer o que queria depois de ter sondado as duas sobre o assunto e acabar provocando muito choro.
Nival saiu escondido de casa para morar no lar de idosos
Ele dividia o apartamento com elas, que na época não eram casadas, mas trabalhavam o dia todo. Assim como Inês, ele se sentia muito só.
"Quando eu me mudei, era independente mas sabia que isso não duraria para sempre. E entre ficar sozinho num apartamento o dia todo ou com cuidadoras e estar num lar com outras pessoas da minha idade, prefiro a segunda opção. Isso aqui para mim é uma grande família”, explica.
Nival conta que conheceu o Lar, resolveu a parte burocrática e foi falar com as filhas.
“Elas começaram a chorar, parecia o fim do mundo, parecia que eu ia morrer. Aí eu tive que dizer que tinha desistido da ideia. Esperei uma viagem que elas iam fazer e, quando estavam fora, me mudei deixando um recadinho na porta de casa. Com o tempo, elas se acostumaram e aceitaram. Vêm me visitar o tempo todo – até demais –, às vezes eu tenho que dizer para não virem”, diz, rindo.
O geriatra Felipe Lopo aponta que a preocupação e o cuidado podem partir de um ato de amor, mas também de um pensamento generalista de que envelhecer é sinônimo de incapacidade e fragilidade.
“Independentemente da forma de envelhecer, as pessoas ainda se baseiam na idade, no número puro e simples. [...] É justamente este preconceito que muitas vezes fazem os filhos ou familiares infantilizar o idoso e isso pode gerar um processo de luto, abrindo a porta para depressão, ansiedade e declínio cognitivo”, explica.
Nival diz que no Lar se sente ativo e vivo. Ele, que adora uma agitação e, principalmente, uma dança, conta empolgado sobre as festas e passeios dos quais participa promovidos pela instituição.
Além dessas atividades, um afazer cotidiano ocupa sua agenda: os trabalhos manuais. Ex-professor de desenho arquitetônico, Nival adora fazer enfeites de decoração. No Lar, tem seu próprio cantinho, que chama de ateliê.
“Passo quase o dia todo aqui, é a minha distração. Faço com muito gosto mesmo e cada um dos enfeites tem algo especial, nenhum é igual ao outro”, diz, orgulhoso de sua produção.
Luiza Maria Nabuco, de 88 anos, mora no Hotel Lar Sênior Residence, no bairro de Nazaré, em Salvador. Ela escolheu um quarto só para ela na instituição quando se mudou, há cerca de um ano. Mesmo incomodada com a solidão que sentia no apartamento onde morava anteriormente, enfatiza que gosta de ter o seu próprio espaço e a sua privacidade.
“Eu prefiro ficar mais no meu quarto, na minha. Sempre fui filha única e me acostumei com a minha própria companhia. Mas aqui, quando eu quiser, posso descer, posso conversar, posso interagir, me envolver em alguma atividade. Só de saber que tem pessoas por perto, já faz diferença”, diz.
Luiza preferiu o hotel sênior em Salvador ao invés da casa dos sobrinhos no Rio de Janeiro
Luiza perdeu um filho de 17 anos e hoje tem apenas parentes que moram no Rio de Janeiro. “Quando eu decidi vir para a casa de repouso, eles me chamaram para ir para lá, mas meu filho está enterrado aqui, não saio dessa cidade”, explica.
Ela morava sozinha e, apesar de totalmente lúcida, precisa de cuidadoras por ter se tornado cadeirante após uma queda.
“Tinha uma moça que tomava conta de mim no apartamento que eu chamo ela de neta e ela me chama de vó, mas era muito monótono lá e dava muito trabalho administrar um apartamento. Hoje eu tenho uma procuradora e aquela moça vem sempre aqui me ver. Para mim, está ótimo”, diz Luiza.
“Foi uma decisão minha, bato no peito para dizer que vim por conta própria. E se eu sair daqui, vai ser por conta própria também. Mas só pretendo sair quando o Senhor me levar”, completa.
Maria José Costa, de 92 anos, também é moradora Hotel Lar Sênior Residence, há um ano e meio. Antes de sentir o peso da idade, fazia parte de grupos de idosos, viajava e frequentava aulas de yoga e de ginástica e missas. Conforme os anos foram passando, sair de casa tornou-se cada vez mais difícil – dinâmica que a pandemia de covid-19 ajudou a acelerar.
“Logo quando eu me mudei para o apartamento onde morava, fiz amizade com os vizinhos. A gente deixava a porta aberta e interagia muito. Eu tinha três grandes amigas lá, mas as duas adoeceram e foram morar com os filhos. Aí eu fiquei sozinha. Só tinha morador novo e ninguém conversava com ninguém. No máximo, era um 'bom dia'”, conta.
Maria José tem um filho que mora na Holanda e, em Salvador, alguns sobrinhos
“Cada um tem a sua vida, então entendo que eles não tivessem como ficar me visitando todo dia. E eu também não iria morar na casa deles. O caminho que achei melhor foi vir para cá. Eu falo com meu filho todos os dias, assisto televisão, gosto de ler, faço minhas orações, faço fisioterapia e caminho por aqui. Também tem músicas e festas às vezes. Eu gosto; é bom ter o que fazer e com quem conversar”, diz.
Área comum do Lar Sênior Residence
O geriatra Felipe Lopo diz que apesar da sociabilidade intergeracional ser importante, a convivência entre idosos é capaz de gerar pertencimento e identificação.
“Muitos estudos já mostram o papel essencial da amizade e do convívio social na longevidade, e isso é facilmente percebido ao se observar a interação em grupos de idosos. É perceptível a melhora da autoestima, da vontade de viver e de manter boa saúde, independência e autonomia com intuito de não perder aquele vínculo”, afirma.
Quando questionada se preferia que o filho vivesse em Salvador para que os dois morassem juntos, ela não hesitou.
“Antes do pai do meu filho morrer, a gente se separou. Porque ele não aceitava que o menino quisesse ser médico ao invés de militar e eu apoiei o meu filho. Não me arrependo e fico muito feliz de ver ele fazendo a vida lá fora, tendo sucesso na profissão. Eu acho ótimo ver a felicidade dele e não tem por que ele ficar aqui só por minha causa”, finaliza Maria José.