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Out/23 |
Após STF vetar remoção, moradores de rua se espalham por Brasília |
Barracos de madeira e de lona, sem estrutura de luz e água, definem a arquitetura das moradias improvisadas em vias públicas de todo o Distrito Federal, que tem o maior percentual de pessoas em situação de rua no país. Em julho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a remoção forçada de pessoas nesse cenário de vulnerabilidade.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 976 deu um prazo de 120 dias para o governo federal elaborar um plano de monitoramento e implementar, de forma efetiva, a política nacional para essa população, que não é pequena. Enquanto isso, é crescente o número de pessoas morando em área pública no DF.
Desde a determinação da mais alta Corte do país, o Governo do Distrito Federal não faz operação para desobstruir o espaço público ocupado por pessoas em situação de rua. De acordo com informações da Secretaria DF Legal, até 28 de julho, tinham sido realizadas 117 ações, o que equivale à média de 16 operações por mês. Com a decisão, a pasta suspendeu três ações programadas para aquela semana.
Em paralelo à situação, relatório do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania aponta que, a cada mil habitantes no DF, três vivem nas ruas. O número equivale ao triplo da média nacional, segundo levantamento divulgado em setembro. Veja o relatório na íntegra.
O Metrópoles conferiu, e mostra a seguir, a situação em 10 pontos que têm registrado aumento no número de pessoas vivendo em barracas e moradias precárias.
“A cada dia a vida tá pior”, disse a catadora Edilene Sousa Castro, 40 anos. Há três meses, ela encontrou um novo local para se abrigar. No Bloco J da QE 20, do Guará, ela mora com o companheiro, que chama apenas de “baianinho”; ele não quis dar entrevista. A mulher contou por que escolheu aquele lugar na quadra residencial: “Queria privacidade”.
Na manhã da segunda-feira em que a equipe de reportagem esteve no local, Edilene disse que recebeu R$ 40 com as latinhas que catou durante a madrugada pelo Guará. “Tá bom assim, porque foi fim de semana, mas, durante a semana mesmo, levo três dias para juntar isso daqui.” O lugar é barulhento, atrás de um posto de gasolina. O som de pneus cantando é constante.
Com encaixes de papelão, lona, pano, restos de telha, Edilene organiza o que tem para chamar de casa. Não há portas: apenas carrinhos de supermercado cheios de embalagens de garrafas pet servindo como porteira para entrar no recinto. Questionada se tinha algum animal convivendo com ela, Edilene foi direta: “Só rato”.
Na bifurcação da L4 norte que divide a Universidade de Brasília (UnB) e o Setor de Clubes Esportivos Norte, famílias se organizam em moradias precárias. Com duas crianças de colo, uma das habitantes do local contou que passou os últimos quatro anos vivendo nas ruas. Ela não quis se identificar, mas disse que tem 35 anos, e que as idades dos filhos são 3 anos e 1 ano.
Embora não leia nem acompanhe notícias, a mulher percebe que a vivência do dia a dia é coerente com a determinação do STF. “Tem tempo que ninguém vem tirar a gente”, relata. “Mas é assim: o governo só vem e demole as casas. Mas e aí a gente vai para onde?”
Ela informou que nunca foi nem pretende ir a uma das 70 unidades de abrigos mantidas pelo governo. “Não fui, mas sei que não consigo me adaptar. Tenho meus filhos, nem pensar no abrigo”, pontua, resmungando, sobre a possibilidade. No local, ela sobrevive de doações. A mulher conta que já começa a se preparar para o período de chuvas.
“A gente faz uns buraquinhos para desviar a água antes de chegar à barraca”, revela. Ela disse que está na fila para moradia popular. Em agosto, o Metrópoles revelou que há 130 mil pessoas na fila em programas governamentais para adquirir casa própria pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal.
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), são 2 mil vagas em locais de execução direta ou de instituições parceiras. As regras variam conforme as unidades e finalidades, já que há destinações diferentes para crianças e adolescentes (algumas exclusivas para meninas, e outras, para meninos), para famílias, para mulheres, para mulheres e crianças, para homens, para idosos (homens ou mulheres) e para pessoas com deficiência.
Próximo ao 4º Batalhão de Polícia Militar do Distrito Federal, no Guará, o artesão Doriedson Adão, 54 anos, montou uma cabana para se abrigar. “Escolhi ficar perto da polícia, por segurança”, destaca.
Ele disse que passou a morar nas ruas após cair no golpe de um estelionatário, mas não detalhou como, nem se registrou boletim de ocorrência. Próximo ao batalhão, ele exibe os terrários que faz com materiais que catou para reciclagem. Também monta uma horta, com pimentas e temperos.
Na 703 Sul, um homem em situação de rua não quis se identificar. O jovem de 22 anos disse que vive dessa forma há cinco anos, por falta de emprego. “Saí da Bahia para procurar emprego. Hoje, já até vendi meu celular, porque ninguém liga para oferecer vaga mesmo”, declara.
O Metrópoles também esteve nas quadras 911 e 909 Norte, em uma casa montada no túnel entre a W3 Sul e Norte, e nos barracos erguidos no Eixinho, mas ninguém quis dar entrevista.
Além desse mapeamento, o último censo oficial do Governo do Distrito Federal, divulgado em 2022, indica a população de rua em cada região administrativa. Segundo o registro do GDF, são 2.938 pessoas. Pelo estudo, do total identificado, 1.915 (65,2%) estavam na rua durante a coleta, 932 (31,7%) em serviços de acolhimento e 91 (3,1%) em comunidades terapêuticas.
Nos primeiros sete meses deste ano, a Secretaria DF Legal já havia feito mais operações para desobstruir o espaço público do que em todo o ano passado, quando efetuou 84 ações do tipo. Em 2021, o STF também proibiu as remoções de setembro a novembro, devido à pandemia de Covid-19; nos meses remanescentes daquele ano, ocorreram 52 operações.
Segundo a secretaria, as operações se limitam a fazer a zeladoria das áreas identificadas, removendo ocupações precárias formadas e lixo acumulado. Com a proibição de remoções, a pasta segue critérios subsidiados pela Sedes para diferenciar as características das pessoas em situação de vulnerabilidade em relação a outras que ocupam irregularmente a área pública.
“Pessoas em situação de rua não constituem ocupações”, ressalta a secretaria em nota. “Na maioria das vezes, são equipamentos móveis, removíveis e de fácil transporte e manuseio. Ainda assim, aquelas que se constituem trata-se de barracos de madeira e lona, sem estrutura de luz e água, com inexistência de mais de um cômodo e, geralmente, sem condições de asseio e higiene, podendo facilmente ser instalada e retirada”, completa.