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Dez/22 |
PGR pede ao STF suspensão de parte de indulto natalino assinado por Bolsonaro |
Decreto do presidente Jair Bolsonaro beneficiou dezenas de agentes de segurança que participaram do Massacre do Carandiru, em 1992, considerado um crime hediondo. Segundo Augusto Aras, texto fere a Constituição.O procurador-geral da República, Augusto Aras, entrou nesta terça-feira (27/12) com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar partes do indulto natalino assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na última sexta-feira.
Na ação, Aras sustenta que parte do decreto é inconstitucional por beneficiar agentes de segurança pública que estiveram envolvidos no caso do Massacre do Carandiru, em 1992. À época, 111 detentos foram mortos na invasão da Polícia Militar para conter uma rebelião no presídio do Carandiru, em São Paulo. Não houve mortos do lado da polícia.
Devido ao período de recesso na Corte, a ação pode ser analisada pela presidente do STF, ministra Rosa Weber. Não há prazo para decisão.
Segundo Aras, o decreto, especificamente no caso do massacre do Carandiru, "afronta a dignidade humana e princípios basilares e comezinhos do direito internacional público, apresentando-se como afronta às decisões de órgãos de monitoramento e de controle internacionais relativos a direitos humanos, sendo capaz de ocasionar a responsabilização do Brasil por violações a direitos humanos".
Desta forma, Aras argumenta que a Constituição brasileira não permite indultos para crimes hediondos. O governo Bolsonaro, no entanto, vem afirmando que o decreto é legítimo, pois os crimes não eram considerados hediondos em 1992, quando foram cometidos - o que viria a ocorrer apenas dois anos depois, em 1994.
Segundo Aras, porém, a avaliação de o ato ser ou não hediondo deve ser feita na data de assinatura do decreto e não no momento do crime.
O procurador-geral da República argumenta ainda que regras de direito internacional proíbem a aplicação de indulto a pessoas envolvidas na prática de crimes de lesa-humanidade.
"Indultar graves violações de direitos humanos consubstanciadas em crimes de lesa-humanidade significa ignorar direitos inerentes ao ser humano, como os direitos à vida e à integridade física, indo na contramão do processo evolutivo dos direitos fundamentais plasmados na ordem jurídica interna e internacional", concluiu.
O último indulto de Bolsonaro
Na sexta-feira, Bolsonaro assinou seu último indulto de Natal, beneficiando diretamente dezenas de policiais condenados pelo Massacre do Carandiru.
O texto beneficia 69 PMs condenados pelo massacre em uma série de julgamentos entre 2013 e 2014 que ainda estão vivos. Nenhum deles chegou a cumprir pena pelos homicídios do Carandiru até hoje, graças a uma série de manobras jurídicas. No entanto, a possibilidade de recursos foi esgotada em 2022, quando o Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal Federal decidiram pelo trânsito em julgado.
Antes do indulto concedido pelo presidente, só restava uma etapa para que os PMs passassem a cumprir pena: uma análise do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para verificar se as penas estão adequadas. A previsão original é que isso fosse feito em janeiro de 2023, abrindo finalmente caminho para que os PMs cumprissem pena.
Ao todo, 74 PMs foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. Cinco deles morreram antes que as penas começassem a ser cumpridas.
O deputado federal de extrema direita Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, não fez questão de disfarçar que o indulto foi feito sob medida para os PMs do Carandiru. Em mensagens no Twitter ilustradas com fotos do antigo presídio, ele celebrou o perdão.
"Hoje foi feito Justiça (sic). Policiais militares que entraram onde nenhuma mãe sequer permitiria que seus filhos entrassem e cumpriram sua missão. (...) Que tenham hoje, estes já senhores, finalmente o sono dos justos e um Feliz Natal tranquilo em família", escreveu Eduardo Bolsonaro.
O massacre
Em 2 de outubro de 1992, um sábado, véspera de eleições municipais, uma rebelião explodiu após uma briga entre presos no pavilhão nove da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru. O complexo abrigava 7.500 presos, mais que o dobro da capacidade.
Duas horas após o início da rebelião, 362 homens de diferentes tropas da Polícia Militar paulista, sem nenhuma experiência em presídios, invadiram o pavilhão armados com revólveres, submetralhadoras alemãs, escopetas, fuzis M-16 e cães. "O ataque foi desfechado com precisão militar: rápido e letal. A violência da ação não deu chance para defesa", escreveu o médico Drauzio Varella, que trabalhava na prisão.
Pavilhão por pavilhão, cela por cela, os PMs dispararam contra os presos. A ação se estendeu por meia hora. Quando as armas silenciaram, os sobreviventes foram escoltados para fora e agredidos com cassetetes e mordidas de cachorros em um corredor polonês.