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Mar/25 |
Mais farmácias do que igrejas: entenda por que setor domina as ruas de Salvador |
Salvador ficou conhecida por ter uma igreja para cada dia do ano. Hoje, o assunto parece que é outro. Isso porque, mais do que templos religiosos católicos, a cidade está cada vez mais repleta de farmácias. Na capital baiana, é uma em cada esquina praticamente. Na Avenida Manoel Dias da Silva, que corta os bairros da Pituba e Amaralina, há sete farmácias em uma faixa de até 1,5 quilômetro, duas delas, aliás, da mesma rede. Mas, afinal, o que explica a expansão da indústria farmacêutica na cidade?
Alguns fatores podem responder à questão, mas o principal deles diz respeito sobre a rentabilidade do setor. Quem conta isso é Bernardo Cabral, professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) que pesquisa a indústria hospitalar. "Ela [indústria farmacêutica] está crescendo porque ela dá dinheiro. Então, se as empresas veem um retorno, aparecem outras empresas querendo o mesmo retorno, isso faz com que o setor expanda", explica o pesquisador.
Saber por que o setor gera muito dinheiro é essencial para entender o processo de expansão de farmácias. São fatores que envolvem questões culturais e até regulatórias, conforme revela Cabral. "No Brasil, você tem o hábito de fazer automedicação, de ser automedicado, isso é muito comum. Então, existe uma demanda muito comum das pessoas virem na farmácia e comprarem vários medicamentos. (...) Isso não é tão comum em outros países", aponta.
Outra coisa é a expansão da renda das pessoas nas últimas décadas. Com mais dinheiro disponível, há mais chances de gastar com medicamentos. Aliado a tudo isso, está o processo de envelhecimento da população. Idosos costumam ter doenças crônicas que exigem o uso de medicamentos de forma contínua, como hipertensão e diabetes, que são tratadas com dois dos medicamentos mais vendidos do Brasil em 2024: losartana e metformina, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Falando em envelhecimento, Salvador teve um aumento expressivo do número de pessoas idosas entre 2010 e 2022, de acordo com os dois últimos Censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Um salto de 61,1%, chegando a 399.075, ou 16,5% da população soteropolitana. "Lembrando que o total de moradores da capital caiu 9,6% nesse mesmo período. Houve um aumento absoluto de 151.429 idosos frente a 2010, quando eles somavam 247.646 pessoas e representavam 9,3% da população da capital", destaca a supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros.
O crescimento da participação das pessoas idosas na população de Salvador, de 9,3% para 16,5%, fez o município subir cinco posições no ranking das capitais para esse indicador, da 15ª, em 2010, para a 10ª, em 2022. Porto Alegre/RS (21,9%), Rio de Janeiro/RJ (20,2%) e Vitória/ES (20,1%) tinham os maiores percentuais de pessoas de 60 anos ou mais de idade em 2022.
De acordo com dados da Arquidiocese de São Salvador, a capital baiana possui 589 igrejas. O número de farmácias é 64% maior. Ao todo, a cidade tem 966 farmácias, de acordo com dados do Conselho Regional de Farmácia do Estado da Bahia (CRF-BA). Houve um crescimento de cerca de 10 vezes em 15 anos na cidade. Em 2010, o número era de 187.
O perímetro que engloba Pituba, Caminho das Árvores e Itaigara é o que mais tem farmácias. Ao todo, são 55. A faixa etária e a condição econômica dos moradores são fatores que explicam a expansão do setor neste núcleo territorial. Em 2023, 11,4% dos moradores da Pituba, por exemplo, tinham mais de 65 anos. Já a renda média mensal por habitante do bairro era de R$ 3,1 mil. "Com pessoas vivendo mais tempo, vão ter mais doenças presentes também. É natural que pessoas mais idosas tenham mais comorbidades no decorrer da vida, como doenças crônicas e do aspecto do quadro cognitivo", diz Gibran Sousa, diretor do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado da Bahia (Sindifarma).
Em 2023, foram abertas em torno de 100 drogarias novas. Ou seja, uma drogaria foi inaugurada na cidade a cada três dias, em média. O número foi repetido em 2024. A tendência, aliás, é que o crescimento continue nos próximos anos. "Enquanto continuar valendo a pena para as empresas abrirem farmácias, vão continuar aparecendo lojas. Elas não estão vendendo só medicamentos, elas estão vendendo mais coisas, então elas estão oferecendo mais serviços", avalia Cabral.
A legislação também contribui para esse crescimento no número de farmácias. "Nossa legislação é muito tranquila em relação à propaganda. Então, existe muita propaganda de medicamento, a gente vê isso o tempo todo. Não é tão comum em outros países", complementa o pesquisador.
Os dados mais recentes do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico são de 2023. O mercado farmacêutico brasileiro atingiu um faturamento de aproximadamente R$ 142,43 bilhões em 2023, representando um crescimento nominal de 8,53% em relação a 2022. Foram comercializadas 5,77 bilhões de embalagens, um aumento de 1,03% comparado ao ano anterior, abrangendo um total de 14.108 tipos de apresentações.